Pesquisa / Bala Perdida

BALA PERDIDA

“Bala Perdida” é a pesquisa da atriz, diretora e dramaturga Rita Clemente, na qual a artista vem investigando as noções de tempo e espaço como construtores da narrativa cênica, bem como os contextos ligados à inevitabilidade de acontecimentos vistos, pelo senso comum, como sincrônicos ou coincidentes ou ainda simples acaso. A busca está relacionada a acentuação de situações e personagens que à primeira instância poderiam ser vistas como independentes, mas que na verdade se encontram enredadas, fazendo do espaço cênico o local de evidenciação deste enredamento e sendo o público o responsável a perceber a história como um todo.

O trabalho que dá início a essa pesquisa artística é o espetáculo “19:45”. Escrito e dirigido por Rita Clemente, o espetáculo foi criado durante o último semestre de formação da turma de 2015, do Curso Técnico de atores do Palácio das Artes a convite da Fundação Clóvis Salgado em Belo Horizonte – MG. Nesse espetáculo a tessitura cênica é constituída por fragmentos de situações onde tempo e espaço vão se entrelaçando através das relações estabelecidas entre 13 personagens. Às 19:45 ocorre um atropelamento protagonizado pelo acaso, do qual todos são, dialeticamente, vítimas e culpados.

Dentre os diversos personagens que se encontram enredados nesta dramaturgia, temos Laura, uma excêntrica e rigorosa musicista e seus dois filhos gêmeos: Gabriel, um jovem violinista e Arthur, estudante de matemática. O contexto acentua que a relação entre mãe e filhos não é das mais harmônicas, devido a personalidade de Laura. O espetáculo tem como tônica um atropelamento que vitima Gabriel, filho de Laura, que no impacto com um carro é arremessado de sua frágil bicicleta. Tal acontecimento desestabiliza a musicista fazendo com que uma fenda se abra em sua trajetória.

O segundo trabalho que compõe a pesquisa de Rita Clemente é o espetáculo “Ricochete”, uma continuação do espetáculo “19:45”, focado na história de Laura após dois anos da perda de seu filho Gabriel. Ao não se conformar com o trágico acidente de Gabriel, Laura se torna ainda mais excêntrica e abandona a posição de segunda violinista, para a posição inferior, a de violoncelista – de acordo com a lógica de status do quarteto clássico – obviamente uma resposta à morte de seu filho que era um jovem violinista. Além desta mudança, desde a morte de Gabriel, Laura adquiriu o hábito de carregar em sua bolsa um revolver herdado de seu Pai.

A partir daí a história de “Ricochete” gira em torno do revolver encontrado por Arthur na bolsa de sua mãe. Perturbado o garoto quer desfazer-se do mesmo, e por fim, acaba jogando-o em um lixo próximo a sua casa. A circularidade da dramaturgia direciona a ação para Lucas, motoboy que há anos realiza entregas na região. Lucas em um ataque de fúria devido a problemas recorrentes com sua moto, ao jogar os sanduiches frios das entregas já perdidas na mesma lata de lixo, encontra o revolver dispensado por Arthur e, num momento de fúria e impotência diante de seu cotidiano selvagem, atira contra sua moto. Quando se dá conta do corrido e recupera a lucidez, devolve a arma para a lixeira e segue para casa de Laura e Arthur, onde precisa realizar entrega de um sanduiche.

Ao chegar ao apartamento, se depara com Laura em choque e Arthur caído no chão. O tiro ricocheteou e acertou Arthur reforçando ainda mais o tom trágico da pesquisa que tem no acaso seu dispositivo de entrelaçamento de trajetórias e eixo central da discussão existencial. A tessitura do espetáculo é constituída por cenas fragmentadas e oferecidas como pistas a serem perseguidas pelo público que irá concluir, de forma particular, o todo da história.

O espetáculo “Ricochete” teve sua estreia nacional dentro da “25 – Mostra Comemorativa Rita Clemente”, que celebrou os 25 aos de carreira da artista, ficando em cartaz de 10 a 14 de novembro de 2016 no Centro Cultura Banco do Brasil – BH.
Dando continuidade a essa trajetória, em 2017, Rita Clemente estreia o Projeto “Antes do fim”, composto por uma obra seriada com quatro espetáculos que tratam do último concerto de um quarteto de cordas do qual Laura faz parte. Nesta obra, Lucas, o motoboy é um dos personagens de “Ricochete” que integra a trama.

Em “Antes do Fim” a história começa com Lucas que se encontra na casa de Laura, diante do corpo de Arthur, da mesma forma que termina “Ricochete”. Sem compreender o que aconteceu e ainda meio atônito, decide procurar Laura pelas ruas da cidade a fim de esclarecer o ocorrido, uma vez que Laura o abandou ali sem dar maiores explicações. Paralelamente, acompanhamos a trajetória dos outros músicos que compõem o quarteto de cordas: César, Rosa Levy e Marcos que se preparam para uma apresentação especial, a última do quarteto.

Em todas as quatro peças que compõem o “Antes do Fim” a dramaturgia é marcada por dois atos:
1- No primeiro ato temos a apresentação das trajetórias e conflitos de cada personagem. O primeiro ato lança o olhar do espectador sobre cada trajetória através de pistas, imagens e situações que, a princípio, parecem ao acaso;
2- No segundo ato a situação se passa no teatro onde supostamente aconteceria o último recital. O segundo ato tem a função de revelar o entrelaçamento entre as trajetórias focalizando um dos personagens em cada espetáculo.
Cada espetáculo possui nomes distintos, que se relacionam com suas devidas abordagens, sendo eles: “Antes do Fim: Selvagem o Fogo”, “Antes do Fim: Cruzadas”, “Antes do Fim: Diáspora” e “Antes do Fim”

Um personagem fora do teatro

Laura que perdeu seu segundo filho, não irá ao concerto. Ao sair de casa desolada caminha atônita pelas ruas desfazendo-se de sua bolsa e de seu violoncelo, até chegar a uma igreja no centro da cidade. Em seu delírio decide travar uma negociação com Deus, a fim de reaver seus filhos em troca de um acidente que ela orquestrará.

No projeto “Antes do Fim”, esta personagem é apresentada através de uma performance/instalação de nome “Missa”. Inaugura-se também nesta pesquisa a exploração de mais um modo de enunciação da obra cênica que propõe novos ângulos e perspectivas para o espectador. Na medida em que retiramos a obra da sala de espetáculo e a convertermos em instalação sugerimos um novo olhar sobre ela. Mas não se trata aqui de mudança de espaço apenas e sim de produzir uma obra de teatro completamente estruturada pelo amalgama com outras linguagens artísticas.

O Projeto “Antes do fim” foi apresentado e patrocinado pelo Centro Cultural Banco Brasil. Os quatro espetáculos, bem como a performance/instalação “Missa” ficaram em cartaz do dia 18 ao dia 25 de setembro de 2017 no Centro Cultural Banco do Brasil – BH.

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